Ontem estacionei a nau em frente ao prédio da minha
ex-esposa, pensei de 4 a 8 vezes em desistir, porém desci. Apertei o 104, 3
vezes. Ela atendeu tão logo me identifiquei, e a porta se abriu.
Sabe, esse é um dos momentos em que a vida lhe abre uma
porta, mas você seriamente pensa que são as portas do inferno. Highway to Hell
parecia uma canção de ninar. Subi andar por andar vendo os números pularem
lentamente, abri o paletó e tomei um trago, peguei o cigarro e desisti. Havia
uma puta placa de “Proibido fumar”. Deveríamos ter uma lei que proibisse o
casamento, em cada bar haveria milhares de placas alertando “Não case, transe”.
Se você tem medo de ficar sozinho depois dos 40 é porque não conhece minha
ex-mulher.
Cheguei ao 104 e a porta já estava aberta, prontamente
fiquei em alerta, pupilas dilatadas, respiração ofegante, como um animal que
pressente a armadilha. Lá estava ela sentada no sofá com meu velho cinzeiro de
marfim, cada canto daquela casa tinha um pouco de mim, do meu dinheiro sujo e
suas lavagens. Porque não interessa como você ganha dinheiro, se um dia você se
apaixonar pela pessoa errada, limpo ou sujo, ele pertencerá ao demônio de saia.
Tão logo entrei, ela me disse: Você está atrasado!
Não abri a boca, abri apenas a carteira e peguei o dinheiro
da pensão, mais a prestação da estante nova. (quebrei a antiga no ultimo
encontro). Enquanto ela contava o dinheiro acendi um cigarro, olhei para o
cinzeiro, de marfim, e senti meu estomago revirar as entranhas. Meu velho
cinzeiro de marfim, presente de um franco porto-riquenho que conheci numa
transação atlântica. Senti o ódio subir pela garganta e estourar todos os vasos
sanguíneos do meu olho, me vi quebrando tudo e todos ao meu redor. Quando
voltei o olhar para aquela velha monstruosa, lembrei da jovem cinta-liga por
quem me apaixonei, num bar a beira-mar às 05:16. Pensei e espancá-la, pelo
cinzeiro de marfim, mas me rendi ao perfume do apartamento e todas as
lembranças daquele velho chiqueiro mareado.
Transamos por 3 horas, antes do atual marido dela chegar.
Quando fechei a porta ela ainda estava deitada, procurando
os cigarros, eu fui embora. Entrei no carro, tomei um trago e quando arranquei
ouvi o grito desesperador vindo lá cima, acelerei. Enquanto o barulho dos pneus
cantando ensurdeciam a velha rapariga, vi meu velho cinzeiro de marfim rolar
pelo banco do carona. Mês que vem eu deposito na conta!